terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Romances Românticos

 
Receita Básica para Romances Românticos
INGREDIENTES
20 capítulos de puro sentimento
1 herói nobre e valente
1 mocinha bela e frágil
1 vilão de suíças grossas
Meia dúzia de complicações
Personagens coadjuvantes para dar liga
cartas a gosto
Doses de lances inverossímeis

MODO DE FAZER:
Misture os ingredientes no enredo. Adicione a um rapaz solitário uma moça pura. Despeje abundantemente o ódio das famílias rivais. Reserve os protagonistas à parte. Acrescente em algumas páginas o vilão da história, é necessário que ele seja autêntico e que de preferência possua suíças grossas. Coloque cuidadosamente na história mais um personagem feminino, certifique-se do seu amor pelo mocinho. Polvilhe alternadamente com esperança e desespero. Dissolva a incredulidade dos leitores com cartas verídicas (ou similares) por 15 capítulos, no mínimo, para adquirir consistência. Derreta os corações sofridos do herói e da mocinha. Preaqueça o forno com o pessimismo ultrarromântico. Leve ao desfecho em apenas 1 capítulo. Decore com o sentimentalismo e lances inverossímeis. Acompanhe com lascas de evasão e morbidez. Sirva a seguir.

SUGESTÕES:
Quem preferir prato menos doce pode temperá-lo com uma colherada de olhar crítico. Assim, a receita ganhará um irresistível toque ácido de censura à sociedade.


Camilo Castelo Branco



Amor Profundo

Um coração de poeta diria que o amor é a profundeza escura da alma. Talvez esteja certo, poucas coisa no mundo são tão inexplicáveis quanto este sentimento. O poeta ainda prosseguiria: " o amor é oceano inexplorado, perigoso. Ele domina os corações fracos, e os fortes também. Muda os gostos e vontades. Entoa canções alegres e fúnebres. É dia risonho de primavera, é noite nebulosa e fria."



Porque tanta complicação?



Justamente por causa dos poetas e dos prosadores extremamente românticos. Se todos vivessem felizes para sempre, onde estaria a perdição do amor? A paixão feliz e concretizada não bastaria para um soneto.



Houve uma época em que o amor, em prosa e verso, precisava ser inatingível. Era necessário apenas idealizar. Sonhar com um encontro que nunca chega. Chorar com total liberdade. Cometer loucuras por amor e morrer amargamente sem alcançá-lo.



Era assim o amor de Teresa e Simão, nobre, tresloucado e infrutífero. Mas não tão puro, tão forte e irracional quanto a paixão de Mariana. A gentil moça obedecia mais do que todos as "razões do coração".


Tolerou o papel de coadjuvante. Ocultando as lágrimas, foi a porta-voz do romance que queria para si. Na prisão, zelava pelo amado, mesmo quando este só lhe prometia amor fraterno. Aceitou o degredo, não temia o sol, as doenças, os perigos de terras distantes. Sua vida era Simão e quando o viu lançado inerte ao mar, não titubeou, atirou-se no oceano, aceitando o destino das paixões impossíveis.
Totalmente submersa nas profundezas da alma, e do mar também, Mariana alcançou, pela loucura e persistência, muito mais que Teresa. Morreu afogada nas águas do Atlântico, é verdade, mais ao lado de Simão, seu grande amor.

Exagerados escritores!

sábado, 28 de novembro de 2009

Camilo Castelo Branco 2




Cartas de Amor
"Meu pai diz que me vai encerrar por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti. não me esqueças tu e achar-me-ás no convento, ou no céu, sempre tua do coração, e sempre leal. Parte par Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás de responder à tua pobre Teresa"

Teresa sofria. As janelas não puderam guardar o segredo por muito tempo.

Botelho e Albuquerque juntos!Você desonra a família rapaz! Seu avô se reviraria no túmulo! Não esqueça Simão, do nome que carregas! Uma dama, uma dama dos Albuquerque, seu único e eterno nome! Já para Coimbra! Já para o convento!

Nem Coimbra, nem o convento de Viseu eram tão distantes ou intransponíveis que uma carta de amor não pudesse alcançar. A mendiga sem nome levava e trazia as esperanças e desesperanças de tempos difíceis.

"Simão, meu esposo", "posso amar-te no degredo", "são alguns dias de tempestade e mais nada", "considero-te perdida, Teresa", "como isto é triste, meu querido amigo"



Simão aguardava ansiosamente os envelopes. Sentia o perfume de Teresa nas folhas. As letras por vezes corridas, outras, arredondadas demonstravam as oscilações da alma

As perfumadas cartas de amor caíram em desuso. Existem hoje frias mensagens eletrônicas, as letras digitadas que por vezes escondem os segredos da caligrafia sincera.

As mensagens de amor precisam ter cheiro, precisam das letras arredondadas, das pautas e dos envelopes.

Pobres donzelas que não conhecem o papel de carta! Infelizes rapazes pouco experimentados no manuseio da caneta.

As tristes letras atravessaram colinas, ventos e tempestades até chegarem nas mãos de quem aguardava boas notícias. Elas não vieram, a caligrafia não mentia. O destinos de Simão e Teresa era amargamente selados.

Camilo Castelo Branco


Namoro na janela


"Simão Botelho amava"


Isso explicava tudo!

O adolescente rebelde já não era o mesmo. Desprezava as antigas, e más, companhias,tornava-se um garoto caseiro e reservado. Ele amava... Tinha borboletas no estômago,andava nas nuvens, sonhava acordado com... Com a dama mais pura, mais bela e inacessível, Teresa de Albuquerque.

Para contrariar, os jovens amantes pertenciam a famílias eternamente rivais.

Pela janela se viram por três meses, planejaram uma vida inteira. Sim, ele voltaria para Coimbra, terminaria seus estudos, enfrentaria seus pais. Se casariam, seriam felizes...

Debruçados nas janelas secretamente namoravam, o sorriso, o olhar, até o levantar das sobrancelhas dizia muita coisa.

As janelas são aliadas do amor. Mesmo quando tudo conspira ao redor, as janelas estão sempre lá, apoiando o jovem casal de namorados,a moça que veste seu mais lindo vestido e espera ansiosamente o grande amor virando a esquina. Ai de Romeu e Julieta se não fosse aquelas janelas em Verona!Rapunzel não seria resgatada pelo príncipe se no cocoruto da torre não se erguesse salvadora a janelinha de madeira.




A janela dos Botelho e a janela dos Albuquerque tudo planejaram. Apesar do inverno, estavam casualmente escancaradas. Permaneceram bem abertas durante três meses, amigas e cúmplices daqueles jovens destinados a viver e amar para sempre junto às grades.

GLVZ