terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

GUIMARÃES ROSA

Um tanto tolinha

No livro Primeiras Estórias, um conto singelo é representante da aura religiosa presente nos escritos de Guimarães Rosa. Em A Menina de Lá, olhando o local com vistas no universal, o autor consegue captar a fé, a grande mantenedora de esperanças,  que faz a lida cotidiana do sertanejo pobre se tornar mais suportável.
Embora também retrate na obra a religiosidade quase medieval, fundamentada no medo, em A Menina de Lá, Rosa nos revela um exemplo doce de fé, aquela simples e viva, sem tradições ou dogmas. Nininha, sem terço na mão, é o Temor de Deus na prática. “Nascera muito miúda, cabeçudota, e com olhos enormes”, ninguém entendia as coisas que falava ou seus vácuos constantes, “talvez seja um tanto tolinha”, pensavam. Uma vida um tanto tolinha que valorizava coisas simples “levianas e descuidadosas”. Não compreendiam esse jeito de viver, faziam-lhe bruxinhas, compravam-lhe brinquedos, ela recusava, sua alegria era expiar o mundo sentada num banquinho de madeira. Dizia também verdades inconvenientes, o robusto pai era uma criança que gostava de pedir, a mãe não escondia nas formas de mulher a duradoura inexperiência de menina.


Nininha, como bem lembra o diminutivo, era pequena, pequenininha no tamanho e, talvez, também no valor que as pessoas lhe davam. Então, o mundo diminuto se agiganta quando seu dom especial é descoberto. Um espanto para os adultos, “sentiam um medo extraordinário da coisa”, mas para ela não fazia diferença, a menina tinha a sabedoria das pessoas de lá,  entendia sem explicações o que é inexplicável. 
Tolinha como era, entendia, por exemplo, porque as abelhas voavam para as nuvens e porque existia lá uma mesa de doces enorme para  crianças iguais a ela. Disse certa vez, “eu quero ir para lá”, tinha saudades daquele lugar e não demorou  muito para estar ali.


O “lá” de Guimarães, do sertanejo e de Nininha, mito para alguns, é o lugar melhor na esperança de muitos. No conto, opondo-se ao que comumente se apregoa, o céu é reservado para pessoas “um tanto tolinhas”, aquelas desprezadas pela maioria dos cristãos, mas descrita no livro sagrado deles como as importantes “coisas loucas” desse mundo que confundem as sábias, as “coisas fracas” que envergonham as fortes, as “coisinhas insignificantes” que aniquilam aquelas que são alguma coisa. O céu, grande objetivo da fé, do sertanejo e do citadino, é o lugar da menina que não ia à missa e nem rezava terços, mas que, na simplicidade de sua fé verdadeira, alcança a glória.

                                                                                 Zípora Dias