sábado, 11 de dezembro de 2010

CORA CORALINA


Mestres, borboletas e casulos

Figura proeminente nas memórias escolares é a do mestre. Carrancudo, gentil, dedicado, sábio, injusto, paciente, arrogante, são variáveis os conceitos que a figura encerra. Para a poetisa Cora Carolina, a mestra Silvina, era o ser resplandecente, a luz escondida na pobre e velha escola. As reminiscências de muitos trazem também com ternura imagens de professores competentes, empenhados em desencantar pequenos casulos.

Cora Coralina

Para o bem ou para o mal, professores de todos os tipos e ideologias ficaram marcados em nossa memória e fazem parte da nossa constituição como indivíduo. Tive professores que se assemelhavam a colecionadores de borboletas. Seres dotados de coloração única, de características singulares “borboleteavam” em suas aulas, mas, como ávidos colecionadores esses mestres logo nos espetavam em seus quadros, então nos etiquetavam e nos categorizavam de acordo com os velhos padrões entomológicos. Nosso mundo que era livre, repleto de muitas possibilidades, ficava restrito àquelas terríveis caixas de colecionador. Havia, entretanto, os bons professores, consideravam as particularidades de cada aluno, valorizavam os nossos talentos e nos ajudavam a descobrir outros novos. Se por acaso existisse entre nós, e com certeza existia, casulos tidos como feios e informes, esses mestres, com paciência e perseverança, abriam os “entendimento oclusos”. Borboletas únicas, para surpresa de todos, surgiam enriquecendo o borboletário.
A  sala de aula repleta de alunos motivados, interessados e livres é a minha melhor recordação dos tempos de escola. Devo isso aos professores que, como mestra Silvina, cheios de motivação, enxergavam grandes possibilidades em casulos inexpressivos.

Zipporah Dias

CLARICE LISPECTOR


As regiões abissais na obra de Clarice
O “mundo não esta à tona”, escreve Clarice, “está oculto em suas raízes submersas em profundidade do mar”, completa. Os escritores e poetas sabem dessa verdade, é trabalho dos bons escritores “desocultar” o mundo e revelá-lo. Para descobrir verdades, Clarice não precisa mergulhar nas profundezas do conhecimento. Não é necessário recorrer aos grandes mestres e pensadores, os melhores escritores sabem que grande parte das respostas está nas regiões abissais do interior humano.
A narrativa interiorizada é característica da escritora, sua intuição alcança esse espaço de liberdade para entender as coisas. Uma mulher que se sente mãe de Deus, uma menina persistente em busca da felicidade, são caminhos para revelar o secreto dela mesma. Momentos centrados no interior de suas personagens desencadeiam de forma repentina revelações sobre a vida. Esse momento revelador, que abre a consciência para a compreensão, é conhecido como epifania, outra marca da obra de Clarice. Em Perdoando Deus ela surge quando a narradora se depara com um asqueroso roedor: e foi quando quase pisei num enorme rato morto. É o enorme rato que “ilumina” a personagem fazendo com que ela pondere sobre fatos que dificilmente atentaria se não houvesse no caminho um rato morto. Deus, o mundo, e ela mesma são compreendidos de forma melhor a partir daquele evento. Já no conto Felicidade Clandestina a “revelação” ocorre no final, a partir da posse do livro a personagem entende certo aspecto de sua existência: A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia (...).

Clarice Lispector
 

Descrever o interior humano exige uma narrativa diferente. A mente não pensa de forma linear, é justo que as narrativas de Clarice não obedeçam  regras de espaço e  tempo. Lembranças, presente e futuro se misturam em sua narrativa de forma que, às vezes, torna-se difícil distinguir quem fala ou de onde fala. Nas duas obras citadas, o fluxo de consciência é notório: ...mas vou contar – não conte, só por carinho não conte, (...)-mas vou contar sim..., o trecho é um exemplo de quebra no monólogo interior da personagem de Perdoando Deus. O conto Felicidade Clandestina também oferece, embora de uma forma menos acentuada, exemplos desse procedimento narrativo: ...guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas...
O interior humano é, dessa forma, sondado pela escritora. Para muitos, sua maneira de escrever é complexa. Na verdade, como certa vez ela disse, sua escrita é simples, as pessoa é que recebem de maneira complicada. A alma é profunda não no sentido de conter verdades extremamente complexas, mas por ser de difícil acesso. São poucas as pessoas que se aventuram na atividade, às vezes perigosa, de investigar o interior. Clarice Lispector é uma delas, dentro de uma literatura amadurecida usufrui da liberdade de expressar os sentimentos e a intuição de quem aprendeu a perscrutar os meandros da alma humana.

sábado, 2 de outubro de 2010

WALT WHITMAN



Breve análise do poema A Noiseless Patient Spider de Walt Whitman


A Noiseless patient Spider (1817) - Walt Whitman

I mark'd, where, on a little promontory, it stood, isolated;
Mark'd how, to explore the vacant, vast surrounding,
It launch'd forth filament, filament, filament, out of itself;
Ever unreeling them--ever tirelessly speeding them.
And you, O my Soul, where you stand,
Surrounded, surrounded, in measureless oceans of space,
Ceaselessly musing, venturing, throwing,--seeking the spheres, to
connect them;
Till the bridge you will need, be form'd--till the ductile anchor
hold;
Till the gossamer thread you fling, catch somewhere, O my Soul.


Uma aranha pequena, frágil e silenciosa, pacientemente trabalha, lançando de si filamentos, essa é a primeira imagem que vem a mente quando nos deparamos com A Noiseless Patient Spider de Walt Whitman (1817). É natural que o poeta, maior representante da poesia transcendental americana, privilegie nos seus versos a natureza e encontre nela semelhanças com a condição humana. Recorrer à imagética de A Noiseless Patient Spider representa um bom caminho para compreender a metáfora da aranha e suas relações com a alma do eu - lírico. Nesta breve análise, recorreremos primordialmente às imagens que se depreendem do poema e por meio delas procuraremos entender a mensagem central presente nos versos.
A aranha é observada na sua lida, encontra-se isolada num pequeno promontório, sem ligação nenhuma com o que está a sua volta, o enorme oceano a cerca (I mark'd, where, on a little promontory, it stood, isolated;). Pequena e frágil tem como único meio para explorar a vasta região vazia os filamentos que saem de dentro de si (Mark'd how, to explore the vacant, vast surrounding,/ It launch'd forth filament, filament, filament, out of itself;). Ela executa o trabalho incansavelmente, buscando sempre conexões, explorando o desconhecido (Ever unreeling them--ever tirelessly speeding them.).
Na segunda metade do poema, o eu-lírico declara a semelhança da aranha com a sua alma: isolada, cercada por um vazio oceânico, como se tivesse sido rejeitada (And you, O my Soul, where you stand,/ Surrounded, surrounded, in measureless oceans of space,). As referências ao “nada”, aos “imensuráveis oceanos de espaço” provavelmente representam a dúvida do eu - lírico em relação ao sentido da vida. O que haveria em torno de sua existência além do vazio?
A aranha, completamente só, trabalha no promontório, o eu – lírico, solitário, não encontra fora de si mesmo algo firme para apegar-se. No entanto, ambos trabalham diligentemente a procura de esferas para conectar-se (Ever unreeling them--ever tirelessly speeding them e Ceaselessly musing, venturing, throwing,--seeking the spheres, to connect them.) Se somente o vazio os cercam, qual seria o propósito do incansável trabalho? A impressão que se tem é que, tanto a aranha quanto a alma do poeta são incapazes de aceitar o nada em torno de si; elas refutam a ideia do vazio universal e otimistas procuram conexões.
As últimas linhas do poema confirmam a esperança da alma em estabelecer vínculos, encontrar pessoas, lugares ou quaisquer outros itens que poderiam dar sentido a sua existência (Till the bridge you will need, be form'd--till the ductile anchor hold; Till the gossamer thread you fling, catch somewhere, O my Soul.). O instrumento que possui para esse intento é o mesmo da aranha, os “filamentos” interiores. A alma, por meio da subjetividade, das profundezas do “eu”, tenta encontrar algo em que possa apegar-se. O homem, para o trancedentalismo, guarda as respostas em sua luz interior, já que sua alma está, segundo esta filosofia, identificada com Deus.
Diante de tantas similaridades entre a aranha e alma do eu - lírico, podemos encontrar uma diferença. A aranha é silenciosa e tranqüila na sua obra. Entretanto, a imagem que temos da alma é de um ser apressado e ansioso, aventurando-se, lançando-se em busca de esferas, atirando as “fibras finas” de dentro de si na esperança de que se prendam em alguma parte (Ceaselessly musing, venturing, throwing,--seeking the spheres, to
connect them
e Till the gossamer thread you fling, catch somewhere, O my Soul.).
Uma mensagem importante pode ser inferida a partir dessa dessemelhança: por sua natureza, a aranha constrói teias na quietude; a alma humana, em contrapartida, é naturalmente inquieta e solícita. A ignorância da aranha em relação ao tempo e a vida tornam-na vagarosa, mas a alma do eu - lírico tem pressa, pois está consciente de sua efemeridade e da existência transitória que possui.
Walt whitman
A natureza, a despeito das pequenas diferenças, imita o homem. A união entre estes dois mundos, dentro do poema, materializa em linguagem as realidades transcendentais da poesia de Whitman, a crença na percepção individual, no poder do “eu” e a busca de respostas nas potencialidades humanas.
Zipporah Dias