sábado, 11 de dezembro de 2010

CLARICE LISPECTOR


As regiões abissais na obra de Clarice
O “mundo não esta à tona”, escreve Clarice, “está oculto em suas raízes submersas em profundidade do mar”, completa. Os escritores e poetas sabem dessa verdade, é trabalho dos bons escritores “desocultar” o mundo e revelá-lo. Para descobrir verdades, Clarice não precisa mergulhar nas profundezas do conhecimento. Não é necessário recorrer aos grandes mestres e pensadores, os melhores escritores sabem que grande parte das respostas está nas regiões abissais do interior humano.
A narrativa interiorizada é característica da escritora, sua intuição alcança esse espaço de liberdade para entender as coisas. Uma mulher que se sente mãe de Deus, uma menina persistente em busca da felicidade, são caminhos para revelar o secreto dela mesma. Momentos centrados no interior de suas personagens desencadeiam de forma repentina revelações sobre a vida. Esse momento revelador, que abre a consciência para a compreensão, é conhecido como epifania, outra marca da obra de Clarice. Em Perdoando Deus ela surge quando a narradora se depara com um asqueroso roedor: e foi quando quase pisei num enorme rato morto. É o enorme rato que “ilumina” a personagem fazendo com que ela pondere sobre fatos que dificilmente atentaria se não houvesse no caminho um rato morto. Deus, o mundo, e ela mesma são compreendidos de forma melhor a partir daquele evento. Já no conto Felicidade Clandestina a “revelação” ocorre no final, a partir da posse do livro a personagem entende certo aspecto de sua existência: A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia (...).

Clarice Lispector
 

Descrever o interior humano exige uma narrativa diferente. A mente não pensa de forma linear, é justo que as narrativas de Clarice não obedeçam  regras de espaço e  tempo. Lembranças, presente e futuro se misturam em sua narrativa de forma que, às vezes, torna-se difícil distinguir quem fala ou de onde fala. Nas duas obras citadas, o fluxo de consciência é notório: ...mas vou contar – não conte, só por carinho não conte, (...)-mas vou contar sim..., o trecho é um exemplo de quebra no monólogo interior da personagem de Perdoando Deus. O conto Felicidade Clandestina também oferece, embora de uma forma menos acentuada, exemplos desse procedimento narrativo: ...guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas...
O interior humano é, dessa forma, sondado pela escritora. Para muitos, sua maneira de escrever é complexa. Na verdade, como certa vez ela disse, sua escrita é simples, as pessoa é que recebem de maneira complicada. A alma é profunda não no sentido de conter verdades extremamente complexas, mas por ser de difícil acesso. São poucas as pessoas que se aventuram na atividade, às vezes perigosa, de investigar o interior. Clarice Lispector é uma delas, dentro de uma literatura amadurecida usufrui da liberdade de expressar os sentimentos e a intuição de quem aprendeu a perscrutar os meandros da alma humana.

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